Porque não conseguimos comprar casa?
Como funciona o mercado Imobiliário e quais as consequências económicas. Porque é que os jovens não conseguem comprar casa em Portugal?
Introdução
A Economia do Imobiliário
Consequências económicas de um mercado imobiliário disfuncional
Mercado Imobiliário em Portugal
Recomendações da Semana
Introdução
Desde que recuperámos da crise de 2011, o imobiliário teve uma performance muito superior à recuperação da economia. Em 2021 o PIB português estava sensivelmente ao mesmo nível do ano de 2008. Em contrapartida, o preço médio da habitação está 90% acima dos valores de pré-crise.
É como se o imobiliário não tivesse qualquer relação com a economia portuguesa. Nem o Covid-19, que teve um impacto devastador sobre a economia, abrandou a subida dos preços. Novamente, a economia ainda não recuperou a produção de 2019, mas os preços da habitação estão já 30% acima dos valores pré-pandemia.
Isto tem gerado um nível compreensível de contestação social em Portugal, debates intensos no Parlamento e “possíveis” medidas por parte do Governo. Porque é que o mercado do imobiliário está tão desfasado da realidade económica portuguesa?
A Economia do Imobiliário
O mercado imobiliário não é um mercado normal. Ao contrário de outros mercados, o imobiliário é ao mesmo tempo um bem de consumo e um bem de investimento. As pessoas compram casa para “consumo”, mas também como forma de investimento, sendo que é o maior ativo para a maior parte das famílias.
O imobiliário não é único neste sentido. Existem outros bens que podem ser comprados para fins de consumo e investimento, como o ouro. No entanto, há duas características que distinguem o imobiliário:
A habitação é um bem essencial;
Os terrenos em zonas onde as pessoas querem viver são finitos.
Num mercado normal, quando os preços sobem mais do que os rendimentos, as pessoas procuram substitutos e reduzem o consumo desses bens. Mas a Procura de habitação para consumo é inelástica. Isto quer dizer que não se adapta a subidas de preços precisamente por ser um bem essencial.
Ao mesmo tempo, a Procura de habitação para investimento é invertida. Enquanto os preços sobem, os investidores criam a expectativa que vão continuar a subir. Como a habitação é o principal ativo da população, a subida de preços dá-lhes mais capacidade para pedir crédito. A subida dos preços é uma profecia auto-realizável.
Do lado da Oferta, o mercado está naturalmente limitado pela disponibilidade de terrenos e pela legislação. A disponibilidade de terrenos é fixa, por isso, nas grandes cidades, a variação da Oferta depende principalmente da legislação (licenciamento, construção em altura, etc).
Consequências económicas de um mercado imobiliário disfuncional
Se a Oferta não acompanhar a Procura, os senhorios têm aquilo a que se chama uma renda económica, ou seja, extraem uma renda superior ao valor económico das casas. Isto não é culpa dos senhorios que estão só a responder aos incentivos do mercado.
Este tipo de dinâmica tem várias consequências negativas, mas a principal é que os senhorios conseguem capturar valor económico que é criado pelos trabalhadores e empresas. Ao contrário do trabalho e do capital produtivo, o valor do imobiliário não depende do mérito do proprietário.
O valor do imobiliário depende do terreno. O valor desse terreno depende da rede de pessoas, empresas e infraestruturas do sítio onde se situa. Este feedback loop explica porque é que as cidades são “imortais”. As pessoas atraem empresas, que criam mais emprego, atraindo ainda mais pessoas, mais impostos para criar melhores infraestruturas (metro, comboio), mais atividades de lazer, etc.
Se a oferta de habitação não aumenta em linha com esta dinâmica, os senhorios vão capturar uma parte significativa do valor criado pelos trabalhadores e empresas aumentando rendas. As consequências são óbvias: uma transferência de rendimento de atividades produtivas, para atividades não produtivas.
Isto pesa sobre o crescimento económico porque os proprietários (tipicamente mais ricos), tendem a reinvestir este rendimento adicional em mais imobiliário, reforçando o ciclo. Por isso esta poupança não resulta num maior investimento produtivo. Este artigo mostra as inúmeras externalidades negativas de um mercado imobiliário disfuncional.
Mercado Imobiliário em Portugal
Como é que estas dinâmicas se desenrolaram em Portugal? Do lado da Procura, nos últimos 30 anos, a população portuguesa cresceu cerca de 400 mil habitantes. As populações das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto cresceram em 300 mil e 100 mil habitantes respetivamente, um total de 400 mil, indicando que todo o crescimento populacional ocorreu nestas zonas.
Olhando para a procura externa (turistas), vemos um crescimento muito acentuado. Em 2019, houve cerca de setenta milhões de dormidas de turistas em Portugal, uma subida de 75% face a 2012. Isto representa obviamente um fator de pressão sobre os preços.
Do lado da Oferta, como podemos ver no gráfico abaixo, a construção de novas casas (renovações não contam) colapsou. Na década 2011-20 construíram-se quase tantas casas (130 mil) como em 2002 (125 mil)! Não há volta a dar. Qualquer bem essencial que veja a Oferta cair 80%, vai ter subidas de preço significativas.
Então mas e os turistas? Como eu disse antes, o número de dormidas aumentou 75% desde 2012, isso não tem impacto? O número de alojamentos dedicados ao turismo triplicou desde 2012, mas ainda assim os números são relativamente baixos. Em 2019 existiam quase 7 mil alojamentos deste tipo, 5% do número de casas construídas.
Claro que numa situação de restrição da Oferta de um bem essencial, qualquer aumento da Procura, vai ter um impacto desproporcional nos preços. No entanto, o problema central é a Oferta de casas. Enquanto isso durar, não vamos conseguir comprar casa.
Recomendações da Semana
📚 Why We Fight: The Roots of War and the Paths to Peace, Cristopher Blattman - Este livro fala sobre o conflito entre grupos. O autor usa uma abordagem económica (teoria de jogos) para explicar porque é que a guerra (conflitos duradouros) surge e como é que ela acaba.
📰 The Sorry Saga of Bankman-Fried, Roger Lowenstein - A queda e falência da FTX foi o caso da semana. O fundador da empresa foi saudado como o Warren Buffett de Crypto, mas acabou por ir à falência da mesma forma que outros casos que conhecemos, como o BES.
Excelente artigo, muito obrigada pela partilha do mesmo. É muito interessante ver que a procura aumentou em Lisboa e no Porto e que a oferta caiu a pique. Para mim, este texto elimina muitos argumentos como "os estrangeiros é que inflaccionam os preços" (quando os portugueses são o principal comprador"); ou "Não podemos viver todos em Lisboa ou no Porto" ou "o alojamento local está a tirar lugar a casas" (quando apenas representa 5%).
Estes dados mostram que construiu-se num ano (2002) o equivalente a 10 anos, por isso a solução está à vista: haver uma estratégia claríssima de incentivar à construção sustentável, rápida e para milhares de pessoas.