Porque Não Devemos Poupar Mais?
Superficialmente parece óbvio que todos devemos poupar mais, mas infelizmente a poupança não vai salvar a economia portuguesa.
A Poupança é Boa?
A poupança é boa. Desde cedo que os nosso pais nos incentivam a pôr uma parte do dinheiro que recebemos de lado. Em Portugal são frequentes os artigos e opiniões que apontam a falta de poupança como um problema e que se poupássemos, as coisas seriam diferentes.
Esta ideia está alinhada com a teoria económica neoclássica que defende que a poupança é igual ao investimento. Segundo a teoria, nós pomos dinheiro no Banco, que depois o empresta a empresas para investir em máquinas e fábricas e aumentar a produção, os salários, o consumo e a poupança, num ciclo perpétuo de crescimento. A realidade é diferente.
Retornos marginais decrescentes
Em primeiro lugar, o capital sofre de retornos marginais decrescentes. Isto quer dizer que à medida que as oportunidades óbvias e rentáveis se esgotam, os retornos de mais investimento vão caindo.
A suposição neoclássica só é verdadeira se houver projetos produtivos disponíveis onde a poupança possa ser imediatamente aplicada. É em parte por isto que o crescimento económico do Japão e da China abrandaram ao fim de décadas do maior crescimento económico da história.
Os bons investimentos já foram feitos. A partir daí, incentivar a poupança (e o investimento) vai suprimir o consumo sem nenhum ganho real. A partir desse momento, é preciso um upgrade tecnológico para descobrir novos projetos rentáveis.
Depesa de uns, Rendimento de outros
Em segundo lugar, a poupança é o contrário do consumo. Num contexto de estagnação, poupar mais implica consumir menos. Os bancos vão ter mais dinheiro para emprestar, mas as empresas vão ter menos projetos rentáveis porque os consumidores estão a consumir menos.
A despesa de uns é o rendimento de outros. Sem crescimento económico, se o Estado poupar, está a tirar rendimento às famílias e às empresas. O mesmo se aplica aos outros agentes económicos.
Crise e Poupança
Isto não é novidade. John Maynard Keynes identificou este problema há quase um século. Para Keynes, o “paradoxo da parcimónia” foi o que transformou a crise de 1929 na Grande Depressão. Inicialmente o governo americano seguiu o caminho da austeridade (poupança), o que obrigou a uma queda brutal do consumo, deflação e desemprego.
Não precisamos de fazer um exercício hipotético para testar esta hipótese. Independentemente da causa (crise sanitária), a crise de 2020 foi provocada por um aumento brutal da poupança. O confinamento forçou as pessoas a ficar em casa e a reduzir o consumo (aumentar a poupança), provocando prejuízos brutais às empresas e ao Estado.
Para onde foi essa poupança? Para a compra de casas, cuja subida de preços acelerou apesar da crise. Houve também um aumento das importações, mas o ponto é que o excesso de poupança não criou investimento produtivo. Até se pode argumentar no caso das casas que o investimento tem tantas externalidades negativas que pode destruir potencial económico.
A teoria neoclássica está errada. A poupança e o investimento são iguais nos modelos, mas não na prática. Os Bancos preferem canalizar os depósitos para atividades previsíveis e seguras, mas pouco produtivas como o imobiliário. As empresas também evitam seguir projetos incertos e pagar juros mais altos.
Como tal, o investimento necessário para aumentar a capacidade produtiva nunca chega a ser feito. Há outros veículos para o investimento com maior apetite de risco, mas fora do mundo anglo-saxónico (especialmente em Portugal) os bancos controlam a esmagadora maioria do capital. Então em que circunstâncias é que a poupança é boa?
Modelo de Gerschenkron
Temos tido vários exemplos de desenvolvimento assentes na poupança para perceber as vantagens e desvantagens. Desde a Alemanha do século XIX, à China do século XX, passando pelo Japão, Coreia do Sul e Taiwan, todos apostaram no modelo da poupança.
O modelo da poupança é baseado no trabalho de Alexander Gerschenkron, que argumentava que os países economicamente sub-desenvolvidos tinham dois problemas fundamentais:
As famílias têm poucas poupanças;
Incapacidade das empresas de fazer investimentos produtivos, devido à incerteza legal, incapacidade de capturar as externalidades desses investimentos (lucros).
O Estado consegue suprimir o consumo das famílias, concentrar a poupança num sistema financeiro controlado por si e canalizar esse dinheiro para os investimentos necessários, muitas vezes através de défices comerciais (importação de maquinaria pesada e matérias-primas).
No médio-prazo, este modelo consegue taxas de crescimento bastante superiores à alternativa (modelo dos salários altos). Devido ao atraso económico, a visão “de cima” do Estado permite identificar com facilidade os maiores bloqueios, canalizar fundos para a sua remoção e criar um forte crescimento económico.
Limites do Modelo de Poupança
Foi assim que a União Soviética conseguiu um crescimento económico assinalável durante um período de tempo. Eventualmente descobriu-se que para alimentar o proletariado e importar a maquinaria pesada (investimento) necessária, os soviéticos obrigaram os ucranianos a poupar trigo (passar fome) provocando o Holodomor.
À medida que as oportunidades de investimento com elevados retornos se esgotam, o mesmo acontece a este modelo. Além disso, para obter ganhos de eficiência a fase de elevado investimento costuma ser concentrada num número pequeno de empresas, o que dificulta a reversão do modelo devido aos interesses instalados.
O exemplo mais óbvio é a China. Entre 2000-08 o crescimento chinês deveu-se às exportações, mas, com a crise de 2008-09, o mercado internacional fechou-se e a China teve que encontrar outra fonte de crescimento: o investimento. Apesar do brutal aumento do investimento em percentagem do PIB, o crescimento da economia tem vindo a abrandar significativamente.
A população chinesa tem taxas de poupança muito altas há décadas, mas nunca chegou a usufruir disso. A poupança não é um fim em si, mas um meio para chegar ao fim de uma melhor qualidade de vida, que se traduz num equilíbrio saudável entre consumo e poupança.
Ironicamente, é o facto de o consumo estar suprimido que faz com que as oportunidades de investimento internas não sejam apelativas. Para quê investir internamente se a população não tem o rendimento para consumir o produto desse investimento?
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