As causas do atraso português
No fim do século XVII Portugal era um país relativamente próspero, em vias de se industrializar e com instituições sólidas. Cem anos mais tarde, éramos dos países mais pobres do mundo. Porquê?
Ao longo da última semana tenho lido um novo livro, do economista Nuno Palma, sobre as causas do atraso económico e social português. Ainda não terminei, mas o que li é suficiente para partilhar algumas das principais ideias do livro.
Ao contrário do artigo que escrevi há uns meses sobre a ultrapassagem da Roménia a Portugal, o livro, e este artigo, focam-se em causas mais antigas do atraso e não tanto no período mais recente da nossa história.
Para quem quiser uma visão mais profunda e detalhada, recomendo obviamente o livro que acho ser o melhor livro português que já li sobre economia e história visto que é muito acessível na maior parte do tempo.
Os mitos do atraso português
O atraso económico e social de Portugal face aos seus parceiros, principalmente europeus, é um tema envolto numa série de mitos. Talvez o principal mito é que Portugal sempre foi um país atrasado devido às suas instituições relativamente fracas comparativamente ao poder executivo (a Coroa).
Como reza a lenda, Portugal tinha um sistema de Governo absolutista onde o Rei e seus conselheiros tinham controlo absoluto sobre os destinos do país. Isto contrasta com o sistema inglês, onde o poder estava mais dividido e como tal havia mais freios e contra-pesos ao poder do Rei.
Esta narrativa é falsa. A qualidade relativa das instituições portuguesas não era pior do que as inglesas até ao século XVIII. Antes pelo contrário, durante um largo período da nossa história as nossas instituições eram superiores às inglesas. Esta qualidade deveu-se a fatores históricos como a Reconquista, cujo processo deu bastante poder militar aos municípios. Por este motivo, o Rei não conseguia ter poder absoluto.
Durante os séculos XVI e XVII, as Cortes portuguesas (o Parlamento) eram reunidas com mais frequência do que o Parlamento Inglês e os seus membros eram eleitos pelo povo e independentes da Coroa. Isto ficou patente no facto das cortes portuguesas rejeitarem com muito mais frequência aumentos de impostos, algo que o Parlamento Inglês nunca rejeitava, precisamente porque era escolhido a dedo pelo Rei e seus conselheiros.
A economia portuguesa também não era atrasada. Em meados do século XVIII, Portugal tinha dos PIB per capita mais elevados da Europa, apenas atrás de Inglaterra e Holanda. O plano de industrialização do Conde da Ericeira também se mostrava um fator de sucesso. O mercado do Brasil deu acesso privilegiado a matérias-primas, ao mesmo tempo que servia de mercado para exportar os produtos manufaturados que, em território nacional conseguiam concorrer com os produtos ingleses.
A ideia de que a cultura e religião em Portugal também foram fatores de atraso não se verificam até ao fim do século XVII. Como o autor demonstra, as mulheres portuguesas tinham (para os padrões da época) mais direitos do que em grande parte da Europa. Podiam, por exemplo, herdar.
A inquisição também não era o fator que se pensa, visto que, apesar da censura Católica, os países Protestantes queimavam bastante mais livros do que os países católicos. Se estávamos tão bem lançados no fim do século XVII, o que é que aconteceu ao país para que a partir daí a divergência com a Europa se tenha acentuado de sobremaneira, provocando o atraso crónico que o país ainda hoje tem face ao resto da UE?
A Maldição Dourada
Para o autor a resposta é clara: o ouro do Brasil. Antes da descoberta do ouro, por volta de 1690, as instituições portuguesas eram relativamente avançadas, porque tinham que ser. Portugal não era um país rico e o poder estava disperso. Se o Rei queria fazer alguma coisa de material, como aumentar impostos, tinha que ter a autorização das Cortes, que representavam o povo.
O ouro do Brasil muda esta dinâmica radicalmente. Enquanto que até ao século XVII as Cortes se reuniam com frequência e consequência, desde que o ouro foi descoberto, nunca mais se reuniram. Naturalmente, com a nova fonte, aparentemente inesgotável, de receitas, a coroa já não precisava de dialogar com o povo para se financiar.
Do ponto de vista económico, o aparecimento do ouro provocou aquilo a que se chama a “Doença Holandesa”. Este fenómeno acontece quando um recurso natural valioso é descoberto, o que causa um forte aumento das exportações de um país e uma consequente apreciação da moeda, que torna as importações mais baratas e as exportações mais caras.
Em Portugal isto significou que a exportação do ouro aumentou a Procura por moeda portuguesa por parte de outros países, levando á sua valorização. Com uma moeda mais cara, as importações ficavam mais baratas e as exportações mais caras, o que provocou um choque para os setores exportáveis, como a indústria nascente que tinha vindo a crescer até então.
O Ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, Igrejas em Portugal e fábricas em Inglaterra - ditado brasileiro
Esta perda de competitividade levou a um maior investimento em setores não transacionáveis (e por isso protegidos da concorrência internacional), provocando o fim do processo de industrialização portuguesa. Isto ficou claro quando em 1703 Portugal assina o tratado de Metheun com Inglaterra, que baixava as tarifas aos têxteis ingleses em troca de tarifas mais baixas para os vinhos portugueses em Inglaterra.
A Maldição Pombalina
A partir daqui, tudo começa a deteriorar-se. O ouro brasileiro foi esbanjado em importações de produtos ingleses, ou em grandes obras com pouco ou nenhum impacto económico como o Palácio Convento de Mafra. No entanto, os males não foram só económicos.
A independência financeira que a Coroa ganhou face às Cortes provocou um retrocesso institucional de enormes proporções que culminou com a ascensão do Marquês de Pombal ao poder. Pombal não foi um grande reformador, antes pelo contrário. Grande parte das reformas que tentou levar a cabo nunca saíram do papel. Aquilo que de facto conseguiu reformar foi o papel absoluto do Primeiro-Ministro.
Para Nuno Palma, o principal erro de Pombal foi a expulsão dos jesuítas que, à data, eram virtualmente os únicos fornecedores de ensino pré-universitário. Ao contrário do que se costuma dizer a expulsão não teve a ver com desavenças religiosas, mas com o facto dos jesuítas serem defensores dos indígenas brasileiros que eram ameaçados por alguns grandes empreendimentos de Pombal no Brasil.
A expulsão dos jesuítas deu início ao que se tornou o foço educacional de Portugal com o resto da Europa. A quantidade de alunos na Universidade de Coimbra demorou quase dois séculos a regressar aos níveis do século XVII e o analfabetismo aumentou significativamente.
Adicionalmente, Pombal foi perito em colocar familiares muito próximos (os irmãos) em posições estratégicas. Um deles tornou-se líder da Inquisição em Portugal, e acabou por perseguir os opositores políticos do Marquês, enquanto que outro foi nomeado para Governador do Grão-Pará.
Recomendações
As Causas do Atraso Português, Nuno Palma - Como não podia deixar de ser, o livro que inspirou o artigo de hoje é a minha recomendação da semana. O livro não se foca apenas no período do ouro do Brasil mas vai até aos dias de hoje e por isso há muito mais “causas”.
How Millenials Learned to Dread Motherhood, Vox - Este artigo é particularmente interessante porque apresenta um dado um pouco inesperado. As mulheres com maior capacidade financeira e social para ter filhos, são as que têm mais ansiedade quando são mães. Porquê?