Ultrapassados pela Roménia: Razões do atraso económico português
Vamos ser ultrapassados pela Roménia, mas mais importante do que perceber se a Roménia é ou não um sítio melhor para viver, é importante perceber os motivos para o atraso crónico português.
Há pouco mais de um mês começou a circular a notícia de que Portugal seria ultrapassado em PIB per capita pela Roménia em 2024. Isto surpreendeu os portugueses porque a Roménia é um país muito pobre no imaginário português. Há duas décadas isto não era disparatado, mas desde então que o crescimento económico daquele país tem sido bastante superior ao nosso.
A Roménia vai ultrapassar Portugal em PIB medido por paridade de poder de compra (PPC) que tem em conta o custo de vida, não é em valores absolutos. Em segundo lugar, este artigo não é sobre a Roménia, mas sobre Portugal e porque é que ano após ano somos ultrapassados por países que à bem pouco tempo eram mais pobres que nós.
Existem várias abordagens, mas vou-me focar nas mais importantes: educação; geografia; instituições; e desenvolvimento. A questão do artigo não é perceber se Portugal é ou não um melhor sítio para viver do que a Roménia. O objetivo é perceber porque é que provavelmente não poderemos dizer o mesmo daqui a 15 anos.
Somos um país de analfabetos
Apesar do enorme esforço que tem sido feito desde que vivemos em Democracia, Portugal continua a ser o país da UE com a força de trabalho menos qualificada. Os dados mostram que 40% da força de trabalho em Portugal não tem o Ensino Secundário concluído.
A educação permite a acumulação de Capital Humano (conhecimentos e competências) e Social (ligação de pessoas e ideias) que aumenta brutalmente a produtividade de um país. Mas o problema não se fica pela competência dos trabalhadores.
Os nossos gestores também são os menos educados da Europa. Recentemente o economista Fernando Alexandre abordou o paradoxo daprodutividade não ter acompanhado as qualificações da população. Como não têm competências, os gestores não conseguem absorver as competências que os portugueses adquirem nas escolas e Universidades.
Esta perspetiva acaba por ser corroborada pela sangria de cérebros portugueses para o estrangeiro. O Livro Branco da Fundação José Neves mostrou que um dos principais motivos para a saída não é meramente o salário, mas a inexistência de oportunidades que se adequem às nossas competências. Isto é responsabilidade em parte dos gestores, mas também de outros fatores que já falaremos.
Muito se tem falado da recente performance económica dos países do Báltico, mas pouco se fala sobre o nível de qualificações destes países. Como estes países são dos mais educados da Europa, conseguiram criar um setor de serviços de valor acrescentado competitivo. Sem essas qualificações, Portugal está destinado a focar-se em serviços de baixo valor acrescentado.
Mas a educação não é tudo. Como os casos de desenvolvimento do Japão, Coreia, Taiwan e China nos mostraram, populações com muito poucos estudos podem conseguir um crescimento económico impressionante. Em parte isto acontecia porque partiam de um nível de pobreza bastante superior ao nosso. Nos anos 1980 Portugal também foi uma história de sucesso apesar da analfabetização.
As instituições
Outra teoria que tem ganho tração desde a publicação do livro “Porque Falham as Nações” é olhar para a qualidade das instituições. O principal argumento desta tese é que as más decisões políticas são a principal razão para o atraso económico. Isto parece óbvio, mas as implicações são um pouco mais profundas.
Boas instituições estão desenhadas de maneira a alinhar os interesses dos políticos e da população. Um exemplo do livro é a diferença entre Inglaterra e Espanha. No início do século XVII, Espanha tinha tudo para dominar o mundo. No entanto, a abundância de ouro e prata perpetuou as más instituições. O Rei não precisava da nobreza porque tinha recursos suficientes para levar a sua avante.
Em Inglaterra passou-se o contrário. A falta de recursos na América do Norte moldaram as instituições inglesas a fazer consensos e adaptações na tomada de decisão. Espanha ajudou a este processo. Como Espanha não precisava de produzir bens para ter ouro, importou-os de Inglaterra, criando um boom das suas indústrias têxteis.
As instituições fracas são o que gera ciclos de corrupção, nepotismo, compadrio e desresponsabilização a que estamos habituados em Portugal. Pior do que não haver incentivos, aliado à falta de qualificações dos portugueses, a própria população permite que as instituições funcionem desta forma.
No entanto, mais uma vez, isto não explica o sucesso de países que têm instituições piores do que as nossas. Portugal tem casos de corrupção, mas na China a corrupção é um modo de vida e isso não os impediu de crescer ao ritmo que temos visto.
Geografia e proximidade
Outra possibilidade é a proximidade aos principais centros económicos. Portugal perdeu o monopólio das especiarias da Índia porque a Holanda conseguiu entregar o produto no coração da Europa, eliminando vários intermediários, reduzindo o preço. O argumento geográfico segue a mesma lógica.
Há zonas que são mais densamente povoadas e, como tal, têm uma atividade económica muito superior. A combinação destes fatores permite a criação de feedback loops que se transformam numa barreira quase intransponível para países mais distantes, como Portugal.
Estando na periferia da Europa e fazendo parte de uma península bastante isolada, acaba por estar nessa situação. Para quê investir numa fábrica em Portugal quando não há matérias-primas aqui por perto, nem caminhos de ferro que para transportar os produtos, etc.
Mais uma vez, apesar disto ser um fator de dificuldade acrescida ao crescimento, vários países conseguiram o desenvolvimento económico sem acesso a esta proximidade. Nomeadamente o Japão e a Coreia do Sul que estão a um hemisfério de distância dos EUA e da Europa, mas conseguiram competir nesses mercados.
Perspetiva do Desenvolvimento
A perspetiva do desenvolvimento acredita que o principal fator para o crescimento económico é a aposta institucional na melhoria das capacidades produtivas do país. Esta foi a abordagem seguida pelo Reino Unido, EUA, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China. Esta perspetiva acredita que as vantagens competitivas são dinâmicas se houver esforço institucional consciente.
Deixado ao acaso, o mercado vai impedir a transformação do tecido produtivo. A ideia é que os países avançados têm vantagens competitivas inultrapassáveis tornando-se impossível competir num mercado livre. Como tal, o Estado deve canalizar os lucros das indústrias competitivas atuais para proteger as indústrias nascentes em setores chave.
Outra solução é proteger as indústrias nascentes através de tarifas às importações, subsídios, crédito barato, para que estas acelerem a sua produtividade até conseguirem competir de igual para igual. Todos os países de média ou grande dimensão seguiram esta abordagem no seu desenvolvimento.
Ao contrário do que o conhecimento popular nos diz, países que são vistos como defensores do comércio livre (Inglaterra e EUA), foram os países mais protecionistas do mundo até atingirem a supremacia tecnológica. O RU tinha o nível de tarifas mais elevado até meados do século XIX, quando foi ultrapassado em protecionismo pelos EUA que se mantiveram como o país mais protecionista até à 2ª Guerra Mundial.
Não é por acaso que o período de maior crescimento económico da história foi entre a 2ª Guerra Mundial e o primeiro choque petrolífero. O comércio livre era a norma, mas os países tinham espaço para proteger indústrias-chave. Foi neste ambiente que vimos o crescimento brutal do Japão, Coreia do Sul e Taiwan.
Isto contrasta com os princípios de David Ricardo que suportam o mercado-livre europeu que defendem que cada país deve focar-se na sua vantagem comparativa. O problema desta análise é que vê o mercado como estático. Quando entrámos na UE, recebemos dinheiro para desmantelar a nossa capacidade agrícola e piscatória porque não era a nossa vantagem comparativa.
No entanto, ao fazê-lo limitamos a concorrência na UE e acabámos com qualquer possibilidade de eventualmente nos tornarmos competitivos nessas áreas. O alargamento da UE a países mais pobres e a entrada da China na OMC deu a estocada final no tecido produtivo português.
Ao entrar na UE, Portugal delegou a política de desenvolvimento para a boa vontade da UE. Não podemos proteger indústrias estratégicas, não podemos desvalorizar a nossa moeda, e não conseguimos reter o talento em que investimos porque as empresas não conseguem ganhar as vantagens competitivas necessárias para pagar bons salários.
O problema com a abordagem de desenvolvimento é que abre a porta à corrupção e dá demasiada influência a grupos económicos. Para que funcione são necessárias instituições obcecadas com o crescimento que consigam ligar os apoios a objetivos concretos. Caso contrário em vez de termos um Japão temos as Filipinas, onde intenções semelhantes mas implementações diferentes só pioraram o desempenho económico.
Conclusão
Todas as perspectivas acima contribuem para o atraso português e até se alimentam umas às outras. Quanto pior for o crescimento económico, mais difícil é investir em educação. Quanto pior for a qualificação da população, menor o escrutínio sobre a política, permitindo a deterioração das instituições. Tudo isto acentua as dificuldades de investir em coisas como infraestruturas, que agravam as distâncias geográficas.
No entanto, talvez a mais importante seja a ausência de política de desenvolvimento dentro da UE. Em primeiro lugar porque ao tirar poder do nível nacional diluímos a nossa democracia (podemos votar em quem quisermos, mas essa pessoa não tem o poder para mudar o rumo). Em segundo lugar porque dependemos da boa vontade de países que olham naturalmente primeiro para si.
Isto deixou-nos à mercê das poucas vantagens competitivas que temos, como o turismo. Apesar de ter sido um fator essencial para a recuperação, o turismo nunca vai fazer de nós um país rico. Até se pode argumentar que, no momento atual, está ativamente a prejudicar uma parte da população.
Quer isto dizer que nós não temos culpa? Claro que não. Afinal de contas foram as nossas instituições que decidiram muitos destes desfechos. Além disso, outros países conseguiram crescer mais do que nós em situações relativamente semelhantes (nenhum deles com o nosso nível de educação). No entanto, o desenvolvimento já é difícil que chegue, não precisamos de dificuldades adicionais.
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