Impostos altos são o Preço da Poupança Alemã
Fazer parte da UE significa perda de autonomia a vários níveis, inclusive a nível de impostos. Os nossos impostos elevados são uma consequência dos desequilíbrios alemães e do mercado único europeu.
Desde que a IL entrou na cena política, os impostos têm-se tornado num tema cada vez mais relevante. Hoje, tanto PSD como PS abraçaram a ideia de corte de impostos. No entanto, a política fiscal está em larga medida fora do controlo do Governo. Uma redução de impostos corre o risco de recriar as condições para uma crise da dívida.
Isto não passa de uma consequência de desequilíbrios de alguns países da UE, mas também por causa da própria arquitetura do mercado único. Fazer parte da Europa implica uma perda de soberania que nos impede de ter controlo sobre uma série de aspetos da nossa política.
Comércio Livre, Excedentes e Poupança
A teoria económica diz que, num mercado livre, não é possível um país ter desequilíbrios persistentes sua balança comercial. No entanto, todos os anos sabemos à partida que alguns países vão ter excedentes comerciais enormes. Se estes países exportam mais do que importam, outros têm que exportar menos do que importam e por isso, têm défices comerciais crónicos.
Ou a teoria económica está errada, ou o mercado não é livre. Estou mais inclinado para a segunda opção. Quando um país se torna muito produtivo, existem uma série de mecanismos automáticos que fazem com que essa produtividade resulte em mais consumo. A taxa de câmbio valoriza, os salários sobem e os retornos sobre o capital caem. Tudo isto encarece as exportações e tornas as importações mais baratas.
Se um país tem persistentemente uma balança comercial desequilibrada, algum destes mecanismos não está a funcionar. Existem várias formas de parar estes mecanismos, mas todas elas se resumem a fazer com que o poder de compra não acompanhe o crescimento da produtividade. Quando isso acontece, apesar do país produzir mais, o mercado interno não consegue absorver essa produção através de consumo ou investimento. Resta a exportação.
A balança comercial não é nada mais nada menos do que a exportação da nossa poupança. Aquilo que produzimos, mas não consumimos nem investimos, tem que ir para algum lado. Num mercado aberto, vai para o exterior na forma de exportações. Em sentido contrário, quando consumimos e investimos mais do que produzimos, temos que importar a poupança dos outros na forma de dívida.
Poupança de uns, Dívida de outros
A Alemanha cabe perfeitamente na descrição que fiz acima. Apesar da sua produtividade, à medida que o país enriquece, o consumo é uma parte cada vez mais pequena do PIB. Como o investimento não absorve a poupança e a Constituição limita os défices do Governo, não resta alternativa senão a exportar.
A diferença não é a cultura. Entre 1991 e 2001 a Alemanha teve défices comerciais na ordem dos 1,5% do PIB todos os anos. Quando o euro entrou em vigor, e os últimos mecanismos de equilíbrio formais caíram por terra, a balança comercial alemã dispara de -1,7% para +8% do PIB. Onde estava a cultura aforradora alemã na década anterior à entrada no Euro?
Como o mercado europeu não tem mecanismos de equilíbrio automáticos, os outros países não têm alternativa senão absorver a poupança alemã na forma de dívida. Como um espelho da situação alemã, os países do Sul da Europa tinham balanças comerciais relativamente equilibradas até à entrada em vigor do Euro, momento a partir do qual a situação reverte.
Obviamente, os alemães não nos obrigaram a comprar os seus bens. A poupança alemã materializa-se num excesso de liquidez no sistema financeiro alemão, que tenta escoar essa liquidez para os outros bancos europeus. Por sua vez, esses bancos baixam os juros e relaxam os critérios de risco para emprestar dinheiro aos seus clientes.
Rapidamente, um europeu sem poder de compra vê-se com capacidade para melhorar a sua qualidade de vida, aparentemente sem consequências. E assim, o consumo dos países do sul aumentou mais do que a sua capacidade. Sem taxa de câmbio, ou taxa de juro por país, não havia mecanismos automáticos para corrigir a situação.
Défices Gémeos
Mas o que é que as exportações e importações têm a ver com os impostos que nós pagamos? Tudo. Já falei aqui várias vezes sobre o Trilema da Economia Política de Rodrik. Este trilema diz que um país pode escolher duas das três opções para a sua Economia Política: Soberania; Hiperglobalização; ou Democracia.
Na área do Euro escolhemos hiperglobalização e democracia, o que implica uma perda de soberania, o poder para executar políticas consequentes. Este poder não é meramente legislativo, mas de mercado. É por isso que todos os governos parecem mais do mesmo. Porque os governos não têm poucos poderes para controlar os desequilíbrios que expliquei antes.
Isto fica mais claro se pegarmos na equação da poupança anterior e isolarmos a componente do saldo orçamental. Se a poupança for igual ao investimento (o que é suposto) o saldo orçamental tem que ser igual à balança comercial. Esta é a hipótese dos défices gémeos. O que significa essencialmente que o que define o endividamento externo é o défice do Estado.
Desde 2013 que essa é a nossa situação. O investimento e a poupança andam de mão dada e como equilibrámos as contas públicas, a balança comercial também ronda os 0% do PIB. Os três períodos em que o investimento, poupança e défice público não estiveram equilibrados, antecederam as três intervenções do FMI em Portugal.
Como os desequilíbrios internos da Alemanha forçam uma poupança brutal que o mercado interno não consegue absorver, se as famílias do Sul da Europa tiverem poder de compra, vão aumentar as importações de bens alemães sem que a Alemanha aumente as importações de bens do Sul da Europa, gerando um novo défice da balança comercial.
A única maneira de evitar isto foi aumentar estruturalmente o nível de impostos na economia portuguesa, para transferir poder de compra das famílias, para o Estado, que por sua vez, não gasta o dinheiro, forçando um crescimento da poupança. Basicamente, sem que a Alemanha corrija os desequilíbrios internos, os restantes países da Zona Euro têm que replicar a sua austeridade.









Excelente análise. Contudo, tenho que discordar com a frase do estado reter os gastos para controlar a balança comercial. E bem claro que o estado tem muito pouco controlo sobre todos os gastos que efetua e há muitas circunstâncias onde se podia cortar esses gastos para reduzir impostos.
Outro ponto e o de que, de facto, a Alemanha impôs a importação de certos produtos com a entrega de subsídios a agricultura para, essencialmente, não se produzir em Portugal e importar alemão. Há que explorar um pouco mais nessa faceta.
Finalmente, apesar destes dois pontos tenho de o felicitar pelo excelente trabalho que faz em prol do público em geral sem nenhum retorno imediato. Parabéns