OE2023 - Explicador Macroeconómico
Como é que vamos evitar uma recessão? As estimativas do Governo são válidas? Como é que vamos reduzir o défice e a dívida? E as estimativas da inflação? O Governo está a ser otimista ou prudente?
Na última semana o Governo apresentou a proposta para o Orçamento de Estado de 2023. Muitas das medidas já tinham sido pré-anunciadas através do acordo de concertação social, mas o cenário otimista parece ter surpreendido mais os analistas.
Ao contrário das previsões de outros países, especialmente os EUA e Alemanha, o Governo português acredita que a economia vai crescer 1,3% (5,3% nominais) em 2023. No podcast da semana passada questionei de onde vinha este crescimento económico, agora já temos a resposta.
Como seria de esperar, o consumo privado vai abrandar significativamente, mas deve continuar a crescer 0,7% em termos reais. A Procura Externa (Exportações - Importações), que tem sido o principal motor de crescimento depois da crise de 2011, também vai deixar de contribuir para o PIB, com as importações a crescer mais do que as exportações.
No meio disto, o que vai sustentar o crescimento económico vai ser o investimento, com um crescimento 3,6%. Como o governo explica, esta aceleração do investimento deve-se principalmente à execução da “Bazuca Europeia”. O governo diz que vai executar não só os planos de 2023, mas também o que não foi executado em 2022.
O facto de grande parte dos fundos para o investimento virem da Europa, dá credibilidade à estimativa. O Conselho para as Finanças Públicas (orgão independente), tem estimativas parecidas. Os projetos estão quantificados e por isso é fácil estimar o impacto que vão ter sobre a economia.
O problema é a execução. Até fim de Julho de 2022 o Governo só tinha executado 35% dos fundos orçamentados para investimento. Segundo o Governo este atraso deve-se à inflação e à dificuldade em obter matérias-primas, o que é credível no ambiente em que vivemos.
A previsão do FMI, que é mais pessimista (crescimento de 0,7%) é muito menos clara. A instituição estima apenas o impacto do comércio internacional, com um saldo negativo de 0,4% em vez de 0,3% do Governo, por isso é difícil perceber de onde vem a diferença de 0,6% de crescimento entre o governo e o FMI.
Inflação
O que nos traz à taxa de inflação. O Governo estima que os preços vão subir mais 4% em 2023, quase metade da inflação de 2022. Tanto o CFP, o FMI estimam uma inflação acima dos 5%. Em situações normais, prever a inflação é difícil. Prevê-la quando esta depende do desfecho da guerra na Ucrânia é futurologia.
As previsões do governo para a inflação em 2022 apontavam para os 4%. Em Setembro, a inflação voltou a acelerar e atingiu os 9,3%, o valor mais alto dos últimos 30 anos. Muita coisa pode correr mal, mas de um ponto de vista orçamental, talvez seja prudente.
Se a inflação for superior ao estimado, o Governo beneficia com isso. O PIB em termos nominais (crescimento real + inflação) cresce mais do que o estimado, o que implica um menor défice e menor dívida pública. O consumo privado deve sair prejudicado, mas tal como neste ano, a margem orçamental extra permite que o governo ajude quem precisa.
Défice e Dívida
No que toca às contas públicas, o governo estima um défice de 0,9% do PIB, abaixo dos 1,9% estimados para 2022. Mas com todas as medidas anunciadas (€4,5 MM - 1,8% do PIB), como é que o Governo consegue baixar o défice? Graças às Receitas de Capital (bazuca europeia), aos aumentos das contribuições para a SS e ao efeito positivo que o IVA tem sobre a receita fiscal.
A evolução positiva do mercado de trabalho vai permitir que a receita de IRS se mantenha estável apesar das medidas que implicam a redução da receita. Como o PIB vai crescer mais rápido do que o défice (5,3% vs 0,9%), o peso da dívida vai continuar a cair.
Isto não é um mérito do governo. Das poucas coisas boas que a inflação traz é reduzir o peso da dívida. O PIB nominal cresce mais com inflação e por isso, mesmo que a dívida cresça todos os anos em termos absolutos, se o PIB crescer mais rapidamente, o peso da dívida em percentagem do PIB vai continuar a cair.
Foi por isso que a crise de 2011-14 foi tão grave. A deflação fez com que o peso da dívida aumentasse apesar de toda a austeridade. O governo tentou apertar o cinto para emitir menos dívida, o que agrava a recessão, mais despedimentos, menos receita fiscal, e um maior peso relativo da dívida.
Escolhas Orçamentais
Mas se isto é assim, porque é que o governo não teve uma abordagem mais agressiva? Se a inflação reduz o valor da dívida, porque não apoiar ainda mais as famílias e empresas? Porque não aumentar o défice em vez de o reduzir?
No curto prazo, a inflação é uma boa notícia para os devedores e má para os credores. Mas quando os credores antecipam a inflação, a equação muda, porque vão dizer “eu espero inflação e por isso vou cobrar mais juros do que cobraria”. E as taxas de juro aumentam e acompanham a inflação. E de facto, se os credores veem a inflação aumentar durante um tempo, começam a antecipar aumentos futuros. Então dizem “eu não só te vou cobrar mais pela inflação de hoje, mas vou já antecipar a inflação de amanhã”. - Paul Volcker, ex-Presidente da Fed.
O Governo está a aproveitar a inflação para conseguir reduzir o peso da dívida. Faz isto à custa das famílias que vão continuar a perder poder de compra. Mas com a fraca performance económica portuguesa, há poucas maneiras de reduzir significativamente o peso da dívida sem causar uma recessão ou uma séria deterioração dos serviços públicos.
Também é importante distinguir entre o saldo global e primário. O saldo primário ignora as despesas com os juros, que é incluído no saldo global e é positivo em 1,6% do PIB. Ou seja, se excluirmos os juros, o Estado continua a cobrar mais do que devolve aos portugueses.
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