O Paradoxo da Produtividade Portuguesa
Porque é que não conseguimos ser mais produtivos apesar de termos uma população cada vez mais qualificada?
No início do mês fui ver o Oppenheimer ao cinema e uma das lições do filme acaba por ser que inovações disponíveis para todos, não são uma vantagem competitiva para ninguém. A descoberta da bomba levou a União Soviética a investir todos os recursos disponíveis na sua criação.
Mas porque é que os russos precisavam de uma bomba tão poderosa? Talvez fosse simplesmente para maximizar o poder destrutivo. No entanto, é possível que os soviéticos estivessem a compensar pela falta de “pontaria”. Tanto na Síria como na Ucrânia os russos têm demonstrado dificuldade em acertar no alvo.
A pontaria de um míssil depende essencialmente da capacidade de processamento do chip que o guia. Foi por isso que fiquei surpreendido por saber que a URSS roubou grande parte da tecnologia de ponta de semicondutores. Como é que um país com vastos recursos monetários e humanos, foi incapaz de acompanhar os EUA tecnologicamente apesar de ter o livro de instruções? Porque a tecnologia não é uma receita, mas um processo.
O que é tecnologia?
Existem várias maneiras de analisar o que é tecnologia, mas gosto da maneira como o Dan Wang (especialista em tecnologia) pensa sobre o assunto. Existem essencialmente três formas de tecnologia:
Processos integrados em ferramentas - Todas as ferramentas que usamos são o produto de alguma tecnologia e como tal são a sua cristalização.
Instruções - Publicações científicas, patentes, essencialmente, receitas;
Conhecimento processual - Uma maneira de dizer “know-how”.
Para Wang, a terceira forma de tecnologia é a mais importante. Nos vários artigos que escreveu no seu site, ele distingue a cultura de inovação industrial americana, que se foca na produção de “receitas”, da inovação chinesa, que depende de acumulação de conhecimento de processual.
Não é por acaso que em 20 anos a China triplicou a sua quota de valor acrescentado no setor industrial para 30%, o mesmo que a UE e os EUA juntos. O país deixou de ser um mero sítio de montagem de componentes para ser um lugar onde essas componentes (processos integrados em ferramentas) são fabricadas e cada vez mais sofisticadas.
Este tipo de conhecimento processual não resulta de grandes avanços científicos, mas de pequenas melhorias incrementais no processo industrial, que podem parecer pequenos a cada ano, mas que ao longo do tempo resultam em aumentos de produtividade enormes.
Este é um tipo de conhecimento que depende de meter a mão na massa. É por isso que a desindustrialização do Ocidente levantou tantos alarmes recentemente. O problema não foi deslocar a produção para a China, mas o conhecimento processual que se perdeu com essa transferência.
Tecnologia como uma rede social
Em 2013 a Apple abriu uma fábrica de Macbook Pro’s no Texas, para diversificar os seus fornecedores mas também por motivos políticos. A iniciativa foi um fracasso. Como um artigo do NYT demonstra, o projeto correu extremamente mal, com atrasos na produção e custos muito acima do esperado. Entre outras coisas, a empresas responsável pela produção não conseguia sequer obter os parafusos que precisava.
Eventualmente, a Apple teve que encomendar os parafusos da China. A acumulação de conhecimento processual ao longo das últimas décadas permitiu que o ecossistema consiga produzir grandes quantidades de materiais customizados em pouco tempo.
É tão difícil reindustrializar um país porque o conhecimento processual existe num ecossistema. Não é possível criar uma fábrica de MacBooks de forma barata e eficiente sem ter fornecedores, universidades e uma mão de obra com experiência industrial por perto.
É por isso que apesar da União Soviética ter acesso à receita para replicar os semicondutores americanos, nunca o conseguiu fazer. É como tentar aprender a tocar uma música na guitarra. Mesmo que aprenda, eu continuo a não saber tocar o instrumento. Este conhecimento processual não depende de apenas uma empresa mas de um ecossistema de várias empresas de produtos complementares.
Não é por acaso que o período que se seguiu à queda do Império Romano foi apelidado de “Idade das Trevas”. O que desapareceu não foi a tecnologia na forma de ferramentas, nem na forma de receitas. O que desapareceu foi a rede social que sustentava o conhecimento tecnológico de Roma.
Confiança como motor de crescimento
Se imaginarmos uma economia como uma rede que liga empresas, trabalhadores e universidades, a vivacidade desse ecossistema é determinada pelo capital social. Capital humano é o conhecimento que adquirimos tanto na nossa educação formal como durante os nossos empregos. Mas o capital social é o que facilita a partilha desse conhecimento.
Ouvimos falar várias vezes da importância da confiança para o crescimento económico. O consumidor tem que estar confiante para comprar, o investidor para investir, etc. No entanto, há uma confiança mais importante para o crescimento de longo-prazo - a confiança (ou capital) social.
O filósofo Francis Fukuyama escreveu um livro sobre a importância da confiança onde fez uma divisão entre países de baixa e elevada confiança. Os países de baixa confiança são tipicamente os países mais religiosos, onde a família tem um peso muito importante. O melhor exemplo do tipo de organização ultra familiar seria a Máfia.
Do lado oposto temos os EUA, Suécia ou Holanda, onde é comum começar empresas com pessoas sem qualquer relação familiar connosco. Para Fukuyama, esta diferença ajuda a explicar o desenvolvimento económico. À medida que a complexidade de uma economia vai aumentando, é preciso distribuir o conhecimento existente por um ecossistema cada vez maior.
Isto acaba por ser uma consequência da Divisão do Trabalho de Adam Smith. Para aumentar a especialização, as empresas precisam de se focar cada vez mais e fazer o outsourcing das tarefas não fundamentais para outras empresas, o que requer confiança. O Japão é um péssimo exemplo disto porque as empresas se recusam a perder o controlo de partes do processo produtivo. A vantagem é controlo de qualidade, a desvantagem, custos muito mais elevados.
Esterilização da Educação
É por isto que a aposta na educação em Portugal não tem resultado em grandes ganhos de produtividade. A educação importa pouco se não existe uma rede social que ligue o conhecimento acumulado no ecossistema, ou seja, sem capital social. Não coincidentemente a figura empresarial da família ainda tem um papel importante (Amorim, Soares dos Santos, Mello, Queiroz Pereira, Champalimaud, etc.).
Nos EUA as empresas não partilham conhecimento entre si, no entanto, a flexibilidade do mercado de trabalho permite que o conhecimento flua. Silicon Valley é conhecida por encontros fortuitos onde o conhecimento e ideias de pessoas diferentes se interceptam para criar valor.
Ou seja, é um sítio onde é comum dois pontos da rede entrarem em contacto, materializando conhecimento que estava adormecido. Isso em Portugal não existe. Não é por acaso que as próprias pessoas do país acham que a melhor maneira de chegar à riqueza é nascer na família certa.
No entanto, existem políticas públicas que também erodem este capital social e consequente transferência de conhecimentos. Enquanto os EUA se focaram em aumentar o subsídio de desemprego durante a pandemia, na Europa o foco foi manter os empregos através de lay-off’s simplificados.
Esta política não só impediu uma maior transferência de conhecimento entre empresas como limitou o crescimento salarial. Como Mário Centeno disse em Abril, quem mudou de emprego conseguiu ter ganhos salariais reais, enquanto que quem ficou, sofreu significativamente com a inflação.
O que fazer?
A primeira coisa que precisamos de perceber é que o principal fator para a inovação não é o investimento em I&D, ou o nível de impostos. Claro que essas coisas ajudam, mas o que importa verdadeiramente é sustentar a criação do tal ecossistema que consiga suportar uma vantagem competitiva duradoura.
Nesse contexto, o livro “Innovation in Real Places”, dá uma receita interessante. A especialização que obriga à partilha de conhecimento ao longo de um ecossistema é a mesma que permite que seja possível encontrar um lugar na cadeia de valor acrescentado, especialmente para um país pequeno como Portugal.
Para isso, os decisores políticos têm que perceber onde é que Portugal se pode encaixar. É extremamente difícil tentar replicar Silicon Valley porque não temos nem a mão de obra qualificada, nem a experiência, nem financiamento de risco, nem o capital social de Baía de S. Francisco.
Depois é preciso articular os tipos de conhecimentos, infraestruturas e fornecedores necessários para criar o ecossistema. Países como a Alemanha, Finlândia, Taiwan e Singapura têm institutos especializados para fazer esta articulação e garantir que o conhecimento criado nas universidades é usado no processo produtivo.
O autor dá exemplos de zonas em Itália, Taiwan ou Japão que através do fomento desta rede de conhecimento processual mantêm uma vantagem competitiva mesmo apesar de terem custos mais elevados que sítios como a China ou Vietnam. Mesmo Silicon Valley é um exemplo desta articulação entre setor público e privado.
Recomendações
Why Information Grows, César Hidalgo - Este livro explora a ideia de que o crescimento económico de uma sociedade não está apenas relacionado com a quantidade de recursos naturais ou dinheiro disponíveis, mas com a capacidade da sociedade de processar e organizar informações de maneira eficaz.
China’s 40-Year Boom Is Over. What Comes Next?, WSJ - Em apenas dois anos, a China passou de ser vista como uma alternativa ao capitalismo para haver um consenso cada vez maior de que o milagre económico chegou ao fim. Este artigo explica as razões.
Excelente artigo! Gostei muito de ler, especialmente pelos exemplos históricos. Acho que um dos problemas de Portugal foi não ter tido uma revolução industrial, talvez porque é aqui que se consegue perceber melhor os inputs e outputs da economia - e talvez porque tal como dizes, numa indústria, existe essa rede de conhecimento especializado que cresce.